Sousa e Castro, um Capitão de Abril em Sintra

"Ainda não me ocorreu arrepender-me"
 


Munícipe de Sintra, o coronel Rodrigo Sousa e Castro foi um dos mais destacados militares que participaram no 25 de abril. Integrou em 1973 a Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães, na clandestinidade, e participou na elaboração do documento O Movimento das Forças Armadas e a Nação, verdadeiro programa político do Movimento dos Capitães, bem como na organização e desencadeamento da operação militar que levou à queda do regime do Estado Novo. Durante o verão de 1975 foi um dos subscritores do Documento dos Nove, tendo integrado o extinto Conselho da Revolução. No mês em que passa mais um aniversário do 25 de abril, falou-nos um pouco desses anos, e de como vê Sintra enquanto munícipe.


 

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Senhor coronel, como e quando teve a consciência de que o regime instaurado em 28 de maio de 1926 estava caduco e havia que tomar posição, enquanto militar?


Logo na minha primeira comissão em Angola, ainda como alferes, tomei consciência de que a situação político-militar nas colónias era a prazo insustentável, e que como consequência o regime acabaria por colapsar. Apesar de em Angola se viver num clima de intenso progresso material, e os europeus, que eram já em número considerável, estarem convencidos que haveria uma solução política para Angola do tipo da adotada na África do Sul, era bem evidente que as condições políticas gerais que levariam à derrocada do regime estavam no terreno, e eram fundamentalmente: total isolamento a nível internacional do regime; esgotamento progressivo das condições de combate das forças armadas portuguesas; tomada de consciência progressiva das populações africanas do seu direito à autodeterminação e independência.


Em 1973 integrou o Movimento dos Capitães. Quer contar-nos onde e quem participou nessas primeiras reuniões?

A reunião mais importante do Movimento dos Capitães foi a realizada no dia 1 de dezembro de 1973, em Óbidos, onde um número muito alargado de oficiais elegeu a Comissão Coordenadora, que iria funcionar na clandestinidade absoluta até ao golpe militar. Essa Comissão tinha três oficiais por cada arma combatente (artilharia, cavalaria e infantaria) e por cada serviço (administração, engenharia). Eu fui eleito pela arma de artilharia, juntamente com o major Otelo Saraiva de Carvalho e o capitão Ferreira de Sousa.

Posteriormente fizeram-se inúmeras reuniões, mais parcelares, mas com um sentido mais operacional, que nos conduziram ao levantamento militar.


Como foi o seu dia 25 de abril de 1974?

Paradoxalmente, o meu dia 25 de abril de 1974 começa no dia 23 de abril, pois fui encarregado pelo Movimento para fazer o “levantamento” das unidades revoltosas desde a Figueira da Foz ao Porto, sendo o portador, para entrega aos capitães que se iam revoltar, das últimas ordens, da senha (“Coragem”) e da contra senha (“Pela Vitória”) e das frequências rádio. Portanto, quase todo o tempo antes do desencadear das operações foi por mim passado a estabelecer ligações entre os revoltosos

Depois do 25 de abril foi responsável pela Comissão de Extinção da PIDE/DGS. Acha que deveria ter ocorrido um julgamento dos responsáveis e principais autores dos crimes cometidos?

A verdade é que todos os agentes da polícia política e seus colaboradores, incluindo os informadores, foram julgados. Poderá criticar-se a brandura das penas que lhes foram aplicadas, todavia, a verdade é que foram julgados.

“Não seria expectável um processo de descolonização diferente”

Como vê, passados estes anos o processo de descolonização e a maneira como Portugal se retirou das antigas colónias?

O processo de descolonização foi o resultado direto da política de colonização e dos treze anos de uma guerra absurda. Face às condições criadas pela política colonial, pela ditadura, e pela guerra absurda, não seria expetável um processo dito de descolonização diferente.

Dadas estas circunstâncias, era inevitável o regresso tumultuoso e dramático da população europeia, o que levou a juízos de valor que confundiram causas com efeitos, e se trocou o essencial pelo acessório na análise dos acontecimentos.

O que faria de diferente se pudesse voltar a esses dias frenéticos de 1975?

Ainda não me ocorreu arrepender-me do que fiz nessa época, rica em acontecimentos, embora a situação atual dê bastantes motivos para uma reflexão sobre o passado e sobre se algumas atitudes terão valido a pena.

Como munícipe de Sintra há muitos anos, como vê o concelho hoje, e o que gostaria de ver melhorado por parte da Administração Local?

Sintra é um município de grandes dimensões e também com grandes problemas a resolver. A sua área urbana a leste da sede de concelho, super povoada, coloca atualmente, face à crise económica, problemas acrescidos e que têm a ver com os índices de desemprego e de pobreza.

Por outro lado a vila propriamente dita, a zona oeste e da Serra, dadas as condições naturais excepcionais, os seus monumentos e a classificação que detém como pólo de atração turística, é uma zona onde o turismo floresce e está hoje em condições de melhor enfrentar a crise.

Julgo que a Administração Local deveria nesta fase de dificuldades atender prioritariamente às zonas mais excluídas e mais carenciadas, dando atenção especial às populações mais jovens, em idade escolar e aos jovens que neste momento procuram um primeiro emprego.

Numa palavra, os recursos disponíveis deveriam ser canalizados para minorar as dificuldades dos que se encontram em situações de exclusão ou de pré exclusão e deveriam ser feitas poupanças em tudo o que em momento de crise como o atual é chocantemente supérfluo.