VIDA E OBRA DE LUISA DUCLA SOARES - 50 ANOS DE VIDA LITERÁRIA

Com sonhos e livros se constrói a vida

07 de junho a 03 de julho de 2022 | MU.SA- Museu das Artes de Sintra | Sala da Claraboia - Piso 3

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Luísa Ducla Soares escreveu mais de 180 livros para crianças, ilustrados por dezenas de autores ao longo destes 50 anos. A obra está dispersa por várias editoras e é possível encontrar sempre alguma das suas obras nas livrarias.
Escreveu contos, poesia, lengalengas, trava-línguas, recontou histórias de tradição oral e não deve haver muitos temas sobre os quais não tenha ainda escrito.
Esta mostra tem a finalidade de dar a conhecer a vida e obra de Luísa Ducla Soares e comemorar os 50 anos da sua vida literária.  É constituída por livros, fotografias, documentos, quadros e trabalhos realizados por alunos em homenagem a Luísa Ducla Soares.

Sobre a escritora


Maria Luísa Bliebernicht Ducla Soares é uma cidadã do mundo, não só pela sua filosofia de vida, mas também, literalmente, pelas suas origens: bisavó paterna espanhola, avô materno estónio, descendente de alemães, mas de nacionalidade russa, mais tarde, nacionalizado português; avó francesa; avô paterno português, que foi oficial do exército e combateu na I Guerra Mundial; pai português, o médico Armando Ducla Soares, cujo calor humano, profissionalismo e idealismo foram reconhecidos pela comunidade intelectual e pela edilidade lisboeta, que o homenageou, atribuindo o seu nome a um jardim da capital.
Entre livros, recreações, estudo e criação literária decorreram as primícias juvenis de Luísa Ducla Soares, tendo o progenitor desempenhado um papel preponderante na sua formação. Recitava, recorda a escritora, de forma apelativa, peças literárias que integram o património cultural português. Desse período datam poemas, desenhos e inúmeros contos que Luísa compôs dando asas à imaginação, fazendo jus à criatividade. O ensino formal, inicialmente numa escola inglesa, depois, na École Française de Lisbonne e, mais tarde, no Liceu Rainha D. Leonor, facultaram-lhe uma mundividência diversificada. A Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, apesar dos constrangimentos inerentes ao regime, acentuou-lhe o universalismo que marca indelevelmente a sua praxis social e a obra que redigiu. Foram tempos política e socialmente conturbados – com a campanha de Humberto Delgado ainda bem presente – que contribuíram para a formação de uma sólida consciência cívica, a qual tinha como pedra de toque a fraternidade, a solidariedade e a observância da Declaração dos Direitos Humanos. Conheceu, nesta época, a repressão, sendo inclusivamente detida nas lutas académicas de 1962.
Em 1970, Luísa Ducla Soares reuniu uma parte da sua poesia em Contrato, obra publicada pelas Iniciativas Editoriais, que foi objeto de recensões muito positivas. O poema é elucidativo relativamente ao posicionamento sociopolítico da autora e ao talento literário que a caracteriza:

«Contrato
é acto contra acto
é compromisso
é dádiva não dada
nem vendida
é isso
que se troca em cada gesto
da mesma dimensão.
Que o resto é coração com asas de mitologia.
Contrato
é
mão contra mão
na manhã fria
inventar o calor de duas mãos.»

Elucida-nos, mais tarde, a escritora que se tratou de um contrato «de amor e solidariedade para com os outros, principalmente para com os esquecidos, os oprimidos…».
Em 1971, fundou e dirigiu o jornal Vida, que, durante dois anos, contribuiu para a formação de uma opinião pública mais esclarecida. Rodeou-se de colaboradores de vulto, entre outros, José Rodrigues Miguéis, Marcelo Rebelo de Sousa, Urbano Tavares Rodrigues e Augusto Abelaira. A crítica ao regime é visível designadamente em textos ou entrevistas a, entre outros, Joel Serrão, Mário Sottomayor Cardia, Miller Guerra e Sá-Carneiro. O atraso do país no domínio da saúde e do ensino, a ausência de liberdade de imprensa e de associação, o cooperativismo e os problemas dramáticos da emigração foram postos em evidência.
Dois anos mais tarde, tendo em consideração a obra infantil História da Papoila, a Secretaria de Estado de Informação e Turismo atribuiu-lhe o prémio “Maria Amália Vaz de Carvalho”, galardão que, corajosamente, recusou, em carta dirigida àquele organismo, nos seguintes termos:
«Refletindo sobre a atribuição do prémio de literatura infantil da Secretaria de Estado de Informação e Turismo, parece-me que só por uma abdicação de valores morais, individuais e profissionais, eu poderia aceitar esse prémio, instituído pelo próprio organismo de que depende a Censura, fator indiscutível de depauperamento da cultura nacional.»
O Vinte Cinco de Abril permitiu-lhe concretizar outros ideais de carácter educativo e cultural. Esteve então ligada ao Ministério da Educação e, mais tarde, passou a integrar o quadro da Biblioteca Nacional de Portugal, instituição que serviu durante cerca de três décadas.
A aposentação, para Luísa Ducla Soares, não significou menor atividade no âmbito da divulgação da cultura; pelo contrário, intensificaram-se a criatividade bem como o contacto com a população infantojuvenil, designadamente, nas múltiplas visitas que tem feito às escolas, disseminando a magia da palavra e, sem moralismos, apelando à adoção de valores consentâneos com a natureza humana.
Embora Luísa Ducla Soares seja conhecida sobretudo como escritora de literatura infantil, a sua obra está longe de se lhe circunscrever. Com efeito, nos cerca de 180 livros que a constituem e, eventualmente, em outros tantos textos publicados em revistas e jornais, a autora cultivou géneros literários tão diversificados como a poesia, a crónica, o drama, a tradução (de Pablo Neruda, Saul Bellow e Roald Dahl, entre outros escritores consagrados), o memorialismo e o conto. Adicionemos-lhe ainda a edição literária, a elaboração minuciosa de biografias (Garcia de Orta, Teixeira de Pascoaes, Fernão de Magalhães, Ferreira de Castro, Eça de Queirós e José Rodrigues Miguéis), a colaboração em antologias e livros didáticos, a redação de ensaios sobre autores de renome como António Sérgio, Antero de Quental, Guerra Junqueiro e António Gedeão, e, na esteira de mestres ilustres como José Leite de Vasconcelos, Luís Filipe Lindley Cintra, Carolina Michaëlis de Vasconcelos e Michel Giacometti, a recolha de lendas, adivinhas, trava-línguas e lengalengas, que têm feito a delícia de várias gerações e contribuído para a sua formação multifacetada.
A obra e o magistério cívico de Luísa Ducla Soares têm sido amplamente reconhecidos pelos leitores jovens, pela comunidade intelectual e a população em geral. Atesta-o a presente exposição, da qual constam inúmeros objetos da autoria de crianças e adolescentes.
Não surpreende, portanto, que esteja traduzida em chinês, francês, italiano, neerlandês, alemão, catalão, basco, galego e inglês e que várias escolas e bibliotecas nacionais ostentem o seu nome.
Convidamo-lo, pois, a partilhar a mundividência peculiar de Luísa Ducla Soares, patente nesta exposição comemorativa dos cinquenta anos de vida literária.

Daniel Pires