Entrevista a Susana C. Gaspar


Quem diz que não podemos mudar o mundo
é quem não quer que o mundo mude
 


 Susana C. Gaspar nasceu em Lisboa, em 1987. Licenciou-se em Ciências da Cultura e possui Mestrado em Educação Artística – especialização em Teatro na Educação. Desde 2007 que trabalha profissionalmente, como atriz, em Sintra.


 
susana gasparA Susana está ligada ao teatro que se faz em Sintra. Como surgiu o gosto pelo teatro, e o que destaca desse percurso?

O gosto pelo teatro nasceu cedo, desde as peças de teatro na escola, no 1º ciclo, às peças em torno da fogueira nos acampamentos dos escuteiros, ou as peças no grupo de teatro da escola no 3º ciclo e ensino secundário, até enveredar pelo teatro universitário, no qual conheci uma das maiores influências no meu percurso teatral, o Ávila Costa. Ou seja, o teatro esteve sempre presente e, de certa forma, parece-me, agora, que seria inevitável o percurso que fui criando, até chegar aqui. Nunca foi fácil e continua a não ser fácil mas é também esse desafio que me atrai constantemente. Destaco as pessoas que fui conhecendo, entre colegas e professores, extraordinários pedagogos, que tanto me inspiraram e que ainda hoje me inspiram. Mas, para dizer a verdade, sinto que o meu percurso ainda agora começou.


Como vê a relação do público com o teatro hoje e nomeadamente como vê a apetência do público local pelo fenómeno teatral?

O teatro não vive sem o público. Poderá o público viver sem o teatro? Eu gostava que não. No entanto, o nosso país parece passar a mensagem que o teatro não é importante. Os nossos governantes chutam a cultura para um canto e isso, inevitavelmente, tem reflexo direto nesta relação entre público e as artes. Penso que existe, sim, um fenómeno em Sintra e que deveria ser estudado mais aprofundadamente, pois, apesar de todas as dificuldades que possamos estar a enfrentar ao nível concelhio (para já não mencionar a nível nacional), há uma persistência por parte dos coletivos, dos artistas e do público em não deixar esta arte desaparecer, muito pelo contrário.

O público sintrense (se é que é possível distinguir públicos localmente), é, na sua maioria, generoso e atento. Existem raízes teatrais muito fortes neste concelho, graças à persistência e talento de muitos criadores que ainda hoje estão na liderança de muitas das estruturas existentes. Posso partilhar, contudo, que sinto que é também necessário um abanão.

É necessário apoiar novos criadores, é necessário procurar alguma renovação, debater mais, refletir mais, agir mais. Pessoalmente, assusta-me a estagnação que parece assola a cena teatral.


Que peças mais gostou de encenar e quais as que ainda gostaria de levar à cena, como encenadora ou atriz?

Não sinto que me identifique, ainda, com o papel de “encenadora”. Tenho preferido assumir o papel de “diretora artística”, que melhor descreve os processos criativos que tenho vindo a adotar, mais próximo de um conceito de criação cole-tiva, com uma direção que articula os materiais que vão surgindo. Foi assim com o Lampedusa e foi assim com o Corpo-Mercadoria. Tenho tanto para aprender sobre encenação. É uma experiência incrível e é onde me sinto a arriscar mais, onde tenho o chão menos seguro, pelo que é um misto entre medo e entusiasmo. Como actriz, continuarei disponível para aceitar qualquer desafio e gosto de ser surpreendida com projetos que não estou à espera.

Tenho alguns projetos na gaveta e espero poder dar vida a todos eles, estou motivada para prosseguir numa procura por temas atuais, relativos às temáticas de Direitos Humanos. O teatro, desde a sua origem, sempre foi um espaço de entretenimento mas, também, de reflexão. É também ali, no palco, que quero refletir sobre a sociedade. E acredito profundamente que pode contribuir para uma mudança social.

 

O que poderia ser feito, em sua opinião, para dinamizar o fenómeno teatral e os espaços cénicos de Sintra?

Sinto falta de um espaço de reflexão onde possamos discutir sobre este tema abertamente, entre público, estruturas, artistas e autoridades locais. Como dinamizar o fenómeno teatral se não refletirmos sobre ele, se não refletirmos sobre as verdadeiras necessidades locais do mesmo? Quebra-me o coração ver tantos potenciais espaços em Sintra e infra-estruturas com condições e sentir que não estão a ser aproveitados na sua máxima qualidade. Ainda há companhias em Sintra que não têm espaço para ensaiar os seus espetáculos, como é que isso pode promover a criação artística no concelho? Não pode. Que infra-estruturas temos, afinal? O Centro Cultural Olga Cadaval? O Auditório António Silva? O estúdio doiséme? A Casa de Teatro de Sintra? E em que condições estão em funcionamento estas infra estruturas? Os artistas locais têm relações privilegiadas com todos esses espaços? Estamos todos em comunicação ou isolação? Prefiro devolver perguntas.        

Acho que estamos no tempo de procurar fazer as perguntas certas, assertivas e, finalmente, começar a apresentar respostas credíveis e propor soluções.

 

Que conselhos quer dar a quem queira hoje enveredar por uma carreira no teatro?  

Sejam audazes. Arrisquem, Procurem mais e melhor formação, e, sobretudo: vejam teatro… muito!

É a ver que melhor se aprende.

 

Quais são os seus projectos atuais ou mais próximos?

Estou agora em ensaios para a minha próxima estreia, na qual assino, novamente, a direcção artística. Chama-se Mulher-Homem e Coroada e reflete sobre as questões de género e o sagrado/profano, por via de uma história verídica do século XIX, que aconteceu numa aldeia do norte de Portugal, com humor e tragédia à mistura.

Irei também interpretar novamente o “Ulisses” e “Corpo-Mercadoria”. E, para dezembro, arranco com um novo projeto, com a direção de Nuno Nunes, que terá a sua primeira residência artística em Sintra e que depois rumará até à Palestina.

 

Do teatro que se tem feito em Sintra, quer destacar alguma peça em especial, e porquê?

Todas as peças em Sintra merecem o seu espaço, tempo e lugar. Seria indelicado estar a destacar alguma em especial. É evidente que me identifico com alguns trabalhos mais do que outros, mas esses são os meus gostos pessoais e preferirei guardá-los para outras conversas.


Além do teatro, a Susana tem-se empenhado em causas como a dos Direitos Humanos, coordenando o Grupo 19, de Sintra, da Amnistia Internacional. 
Quer falar-nos um pouco desse trabalho?

Esse é o meu ativismo. Não quero ser cúmplice de injustiças sociais, de guerras, conflitos, fome, corrupção, etc. Os valores estão invertidos, as democracias estão cada vez mais frágeis e os atropelos aos direitos humanos são cada vez mais e maiores. A economia tem vindo a preva-lecer aos valores de solidariedade, igualdade, justiça, educação, cultura. Decidi não me silenciar perante tanta injustiça e prefiro fazer o que estiver ao meu alcance para tornar a mudança tangível. O Grupo 19 tem ajudado a tornar isso possível, passo a passo. Quem diz que não podemos mudar o mundo é quem não quer que o mundo mude.

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