Entrevista a João Cachado

 

Festival de Sintra: envolver novos públicos

 


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João de Oliveira Cachado é um conhecido munícipe devotado às causas de Sintra e da sua promoção cultural e artística. Melómano militante, há muito vem acompanhando as diversas edições do Festival de Sintra, sendo um observador atento e crítico dum certame que já conheceu vários modelos e que é um marco na cena cultural nacional, razão para recolhermos as suas opiniões sobre a edição deste ano e os conselhos que como espetador atento entendeu deixar.


 

O João Cachado é um observador atento da cena cultural sintrense desde há muitos anos. Como viu a recente edição do Festival de Sintra no que a repertório e apresentações respeita?

Para responder a esta pergunta, teria de começar por propor uma rápida análise comparativa dos programas da quadragésima nona edição do Festival de Sintra e da sexta edição do Festival ao Largo, atitude que, imediatamente, nos permitiria encontrar coincidências várias, decorrentes das sinergias em presença. Não esqueçamos que, ao convidar o Prof. Adriano Jordão para Director Artístico do Festival de Sintra, a Câmara Municipal de Sintra soube acolher um grande pianista, que se move muito bem no meio musical nacional e internacional, que também é vogal do Conselho de Administração do Teatro Nacional de São Carlos, altamente envolvido no referido Festival ao Largo, que tanto êxito popular tem alcançado. Não vamos esquecer que, perante as dificuldades de preparação da edição do Festival de Sintra em 2014, nomeadamente, ao nível da programação, o convite a Adriano Jordão logo teve o benefício de possibilitar a sua concretização, aproveitando anteriores diligências do agora Director Artístico e, embora muito em cima da hora, ainda a tempo de negociar a agenda de alguns dos intervenientes, aliando a possibilidade de subordinação das peças constantes dos eventos à temática da Universalidade do Romantismo, tão cara às características emblemáticas do Festival de Sintra. Foi assim que, sublinho, com uma coerência evidente, o programa conseguiu propiciar um conjunto de onze recitais e concertos, de bom e muito bom nível geral, através de uma diversificada abordagem que, grosso modo, integrou não só obras de referência das literaturas musicais dos diferentes períodos do romantismo alemão, russo, brasileiro e português mas também a novidade de algumas peças de um repertório que abrangeu até compositores mais recentes.

 

Em sua opinião, que fragilidades e virtualidades apresenta o actual modelo e o que poderia ser feito para o melhorar?

À partida, como todos sabemos, Sintra tem especiais condições para a organização de um festival de música com sucesso e, porque assim é, os pergaminhos falam por si, com uma galeria dos mais reputados músicos de gabarito mundial, particularmente no universo da pianística. De facto, o contexto local não pode ser mais propício, tão marcado pelo ecletismo romântico de evidências que, nos termos da classificação da Unesco, como Paisagem Cultural da Humanidade, dispõe de tantas e famosas peças de património edificado e natural, quintas e palácios, parques e jardins que, ao longo de quase cinquenta edições, têm constituído cenário ímpar ao usufruto dos mais enriquecedores e sofisticados momentos de partilha musical. Se, à partida, tal mais-valia é evidente, preciso é trabalhar sobre a evidência de uma menor afluência de público. Sou testemunha de que, em pouquíssimo tempo, se desenvolve um trabalho imenso cujos resultados não são proporcionais ao esforço e empenho. A verdade é que as fragilidades do modelo vigente, cujas flutuações das audiências se evidenciam a jusante, radicam numa inadequação da organização às exigências de uma iniciativa cultural tão específica como é a da oferta de um festival de música erudita. Com o objectivo de resolver este problema, não tenho a menor dúvida de que se revela imprescindível afectar uma pequena equipa, em termos exclusivos, à preparação e organização do Festival. Talvez duas pessoas, em articulação com o Director Artístico, na dependência hierárquica do Director Municipal e do Vereador do Pelouro da Cultura. De facto, mesmo com gente rodada, há imenso que fazer durante todo o ano. E, algo de muito importante, tudo preparar, tudo organizar na perspectiva de que, a exemplo dos melhores, também este Festival pretende oferecer um produto total coerente, por isso, lhe competindo cativar o público alvo para a frequência do maior número possível de eventos, com o objectivo de propiciar a percepção da proposta cujo usufruto pleno só se adquire tendo acedido ao conjunto. Além desta questão fulcral de estrutura organizativa, cuja resolução permitirá a tranquilidade das operações que é necessário desenvolver trimestre a trimestre, ainda considero que, relativamente à programação, há muito a fazer no que se refere à proposta de eventos cuja informalidade contribua para que a festa aconteça mesmo, no sentido de que se sinta e note na comunidade, conquistando não só públicos jovens mas também novos públicos. É com este objectivo que, por exemplo, além do quadro habitual de eventos nas quintas e palácios, me parece importante voltar a envolver as bandas de música, possibilitando-lhes a interpretação de peças integráveis na temática geral de cada edição do Festival e de acordo com um percurso através de locais-chave, de tal modo concebido que o público interessado possa aderir em festa informal. Outra é a vertente de preocupação com os eventos paralelos, ou seja, entre outros, ciclos de vídeo-cinema, recitais de poesia, exposições, palestras, visitas e passeios temáticos, sempre em íntima e perfeita articulação com a temática decidida para cada edição. Veria, igualmente, com imenso interesse e como iniciativa de carácter anual, a concretização de uma audaciosa Conferência de Abertura, a proferir por figura altamente mobilizadora, como em 2005, quando o Presidente Fernando Seara convidou o Prof. Doutor António Damásio para vir ao Centro Cultural Olga Cadaval abrir o Festival de Sintra desse ano com uma conferência, que foi um autêntico espectáculo, perfeitamente ao nível dos mais altos e sofisticados momentos musicais que se têm vivido.

           

Quer destacar alguns momentos ou figuras emblemáticas ligados a anteriores edições do Festival?

Desde 1957, em quarenta e nove edições, pelo Festival de Sintra passaram os mais distintos artistas nacionais e estrangeiros. Como o frequento desde o início, tenho recordações muito especiais de alguns. E cada recordação é uma história. Assim, sendo impossível sequer contar apenas uma, não vou responder directamente à pergunta e, em alternativa, lembrar, isso sim, grandes mentores ou simples técnicos de bastidores sem os quais o Festival de Sintra não seria o que foi e pretende ser. Em primeiríssimo plano, já se sabe, a Senhora Marquesa de Cadaval, a estupenda mecenas que esteve na génese e foi sua alma mater. Dos Presidentes de Câmara, para não ferir susceptibilidades, apenas a nomear os já ausentes António José Pereira Forjaz e Fernando Tavares de Carvalho, determinantes para a história da iniciativa. Quanto a Director Artístico, inequivocamente, Luís Pereira Leal, figura absolutamente ímpar do mundo musical nacional a quem o Festival de Sintra ainda deve o mais justo reconhecimento. Referindo Pereira Leal, não posso deixar de lhe associar as figuras de João Paes e Luís Santos Ferro, grandes amigos do Festival, com isto pretendendo distinguir pessoas cujos contactos no meio são mobilizadores da frequência de dezenas e dezenas de melómanos. Finalmente, nos bastidores, dedicadíssimos técnicos e gestores como Ana Alcântara ou Mário João Machado. Garantidamente, sem estas pessoas, o Festival ou não seria ou, pura e simplesmente, seria outro e não o produto cultural mais sofisticado de Sintra, como tenho insistido em o qualificar.        


Em sua opinião que espaços ou locais no presente panorama se apresentam como mais adequados para a realização deste tipo de eventos e que política de captação de públicos poderia ser adoptada?

Os lugares já os referi. Explícitamente, os palácios e as quintas; implícitos outros, mais parques e jardins, o aproveitamento de coretos, de relvados. Quanto a auditórios, que bem podem acolher ciclos de conferências, projecções de audiovisuais, etc, lembraria o da Abegoaria da Pena – que, meu Deus!, tem localização e características incríveis – bem como o do torreão de Monserrate ou a Igreja de Santa Maria com especiais condições acústicas. Quanto à captação de públicos e ainda em relação a outras medidas para o sucesso, creio que Rui Pereira, Vice-Presidente e Vereador com o pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Sintra, está no bom caminho. Oxalá consiga ele ter decidida e fechada, até ao próximo mês de Setembro, a programação da especialíssima 50ª edição de 2015, que vai implicar avultados meios de materiais, de tal modo que possa candidatar-se ao mecenato mais ambicioso e significativo das grandes empresas e companhias portuguesas que decidem os seus programas de patronato cultural por essa altura. Com a tal equipa que referi, a funcionar em permanência, será possível fazer em Sintra o que noutros lugares já é prática comum. Neste domínio, nada está por descobrir. Basta conhecer, adoptar e adaptar os modelos que funcionam bem noutros festivais.


Quer sugerir algum intérprete, maestro ou grupo que ainda não tenha vindo a Sintra ou algum evento em particular que possa conferir a visibilidade e dimensão que um evento desta natureza suscita?

Para 2015, quando já se sabe que a figura tutelar do Festival de Sintra será a Senhora Marquesa de Cadaval, penso que seria importante convidar alguns grandes artistas nacionais e galácticos que, na juventude e início de carreira, beneficiaram do seu mecenato. Compreenderá que não os identifique para evitar qualquer deslize que comprometa diligências a efectuar.