Entrevista a Filomena Marona Beja

O que é ser escritor, hoje? O que sempre terá sido: escrever!

 


entrevista-junho-14Profissional da área da documentação técnico-científica e residente em Sintra, Filomena Marona Beja estreou-se no romance com As Cidadãs(1998), livro que transporta para a Lisboa do início do século XX e cuja reedição, em 2009, coincidiu com as comemorações do centenário da implantação da República. Publicou também Betânia (2000), A Sopa (2004) — com o qual ganhou o Grande Prémio de Literatura DST em 2006 —, A Duração dos Crepúsculos (2006), A Cova do Lagarto (2007) — galardoado com o Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLB —, Bute Daí Zé (2010) e  Eléctrico 16 (2013), tendo lançado em maio o seu último livro, Franceses, Marinheiros e Republicanos, o que nos levou a uma breve conversa com a autora.



A Filomena Marona Beja é uma escritora por muitos laços ligada a Sintra. Acha que há um sentido trágico dominante em Sintra ou serão apenas exacerbações românticas derivadas dos mitos que a ela se associam, hoje em retorno acentuado?

Os mitos são mitos. Não lhes sabendo a génese, aceitamo-los por vezes de olhos arregalados. De outras, com um sorriso. Quanto ao romantismo, chegou a Sintra na bagagem de Lord Byron, no seu estojo de escrita. Já lá vai! Mas não se foi a serra nem o mar. Ou a maneira de ser saloia. Tão pouco as neblinas que nos temperam os dias. Que tudo isto perdure. E deixemo-nos de tragédias!

Porque só tardiamente sentiu a necessidade de escrever? Tem autores, portugueses ou estrangeiros de referência?
Sempre escrevi. Aos cinco anos, fui à cozinha copiar a minha primeira palavra: SAL! E logo comecei a criar outras. Ainda adolescente, publiquei alguns contos no Diário Popular. Depois... Tanta coisa! Viver, aprender, amadurecer... E entretanto, a escrita profissional. Trabalhos técnicos, publicados e divulgados tanto em Portugal como no estrangeiro. E num dia de Verão (em 1996), na cidade da Horta, comecei a escrever As Cidadãs. Foi o primeiro romance que publiquei (Edições Cotovia, 1998). Escritores de referência? Admiro a maioria dos escritores lusófonos. Direi que gosto muito de alguns. Nomes para quê?! Quanto a estrangeiros: Ernest Hemingway, Jacques Prévert e... DURAS! A extraordinária Marguerite Duras.

O que é ser escritor hoje? Que diferenças encontra no leitor de ficção de há 30 anos e no de hoje?
O que é ser escritor, hoje? O que sempre terá sido: escrever! Nos anos de 1930, em Portugal ainda se abordava a literatura muito à maneira do século XIX. Lá por fora já se ia no “Realismo Social” que, por cá só chegaria depois da Guerra de Espanha e que a “censura” levaria a que se chamasse “neo-realismo”. Fomos evoluindo: anos 60-70. Mas direi que só à beira da década de 80 fomos inovadores. 

Qual a sua obra mais conseguida? Já se zangou por ter escrito alguma delas?
Não sei se considero “conseguida” alguma coisa do que publiquei.Mas zangar, nunca me zanguei com o que escrevi. Pode dizer-se que o escritor escreve sempre o mesmo livro e toda a obra é autobiográfica? No meu caso, não! O período do século XX é muito presente na sua obra. Como caracterizaria o século XX português? Foram cem anos difíceis. 1914-1918. A Ditadura, a Guerra Colonial... O que melhor nos aconteceu (a maior das alegrias) foi o 25 de Abril de 1974! Fale-nos um pouco da sua última obra, a lançar brevemente. Franceses, Marinheiros e Republicanos...É a narrativa das conturbações, evoluções e algumas sujeições por que passámos (Povo e País), desde as campanhas de Napoleão ao fim da I República. Não se trata, porém de um discurso contínuo. Reparte-se por quatro novelas – género em desuso na literatura portuguesa. Nestes quatro “episódios” falo da resistência aos soldados de Junot. Da Patuleia. De marinheiros aparelhando os navios, entrando e saindo a barra do Tejo. Dos primeiros republicanos a chegar às Cortes. E de Manuel Teixeira Gomes: Presidente da República com grande, GRANDE classe! E escritor sem moral nenhuma, mas com muita ética!

O que pensa que procura o leitor quando busca uma obra literária? O leitor é generoso ou é um ser distante e que tem de ser conquistado?
Cada leitor fará a sua procura. Não escrevo para nenhum em particular mas, pelo retorno que tenho, já terei conquistado alguns.

Que projectos tem para o futuro imediato?
Continuar a escrever, enquanto estiver lúcida.

Como vê a cena cultural em Sintra e o que poderá ser feito para a dinamizar?
Sintra tem-se vindo a tornar culturalmente repetitiva. E pobre. Muito pobre!

O que se pode fazer?
Sem falar nem de Lisboa, nem do Porto, posso aludir à Póvoa de Varzim, Matosinhos, ilhas da Madeira, Santa Maria, Terceira... Lembrando-me dos esforços que por lá se fazem... Tão aquém que Sintra fica! Falta-nos boa música, em salas com entrada livre. Ou tocada nos coretos. Nas igrejas. Teatro na rua! Ainda me recordo de Gil Vicente e do seu Velho da Horta, a serem representados na escadaria do Palácio da Vila! Há esculturas na Volta do Duche, mas não temos uma grande exposição de pintura. A Ciência? Há alguma, mas quase incógnita. E as livrarias? E a Biblioteca Municipal? Seria assim tão difícil fazer com que déssemos por elas? Com que realmente existissem? Por exemplo? Bons livros à venda num ou noutro quiosque, por iniciativa da Câmara. Para emprestar, em pólos e mini-pólos da Biblioteca. Localizá-los e mantê-los animados em cafés, estações da C.P., Centros de Saúde. Sem esquecer o Parque da Liberdade, a Correnteza, praias, piscinas... Vamos lá!

 

 

 

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