O MEU ATELIÊ É A MINHA CASA

Pedro Almeida

6 a 24 abril 2021 | Galeria Municipal - Piso 0

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O meu ateliê é a minha Aldeia Gaulesa

O meu ateliê é a minha casa porque às vezes passava a noite no espaço e cheguei a pensar que podia viver lá dentro. Como se eu, o meu espaço de trabalho e a minha casa não se distinguissem. Sempre que trabalhava estava a representar-­‐me e o ateliê era um espelho de mim: não há distinção entre onde vivo e o que faço. Os movimentos são os mesmos. No ateliê comecei a pensar sobre azulejos, sobre galos de Barcelos, sobre coisas em que nunca tinha pensado, sem me inibir. É nesse sentido de liberdade que é a minha casa.

*Entrevista escrita e adaptada a partir de conversa com o artista por Laura Sequeira Falé em fevereiro de 2020

Dados biográficos



Vive e trabalha em Madrid.

Mestrado e Licenciatura em Pintura pela FBAUL. Diretor Artístico da Galeria En_Loop, Madrid. Menções Honrosas: Concurso das Artes, Inatel, 2010; Salão de Artes Plásticas de Coruche, 2004. Bolseiro pela CML-­‐Residência artística na Budapest Art Gallery, 2001. Coleções: Fundação Portuguesa das Comunicações, Isabel Vaz Lopes, Fundimo, Museu Bernardo, Sandro Resende, C.M.Sintra, Biblioteca da FBAUL, Pablo Peinado, Pablo Syset. Exposições Individuais (2019) Vestìbulo, 7 Islas Hotel, Madrid; Material POP, Curadoria de Hilda Frias, Fundação Portuguesa das Comunicações, Lisboa. (2018) Nuevas Identidades, Sala AVAM, Matadero. (2016) White lab, Museu da Historia Natural da ciência, Comissario Sofia Marçal. (2015) Pharma Comics, na MUTE Art Project, Lisboa.
Sobre o artista e a obra

“O meu ateliê é a minha Aldeia Gaulesa” -  Entrevista escrita e adaptada a partir de conversa com o artista por Laura Sequeira Falé, autora do blogue Duplo Espaço, em fevereiro de 2020
 
Pedro Almeida (1966) vive em Madrid há cinco anos. Comprou um espaço, aprendeu a trabalhar com materiais de construção, remodelou-­‐o e tornou-­‐o no seu ateliê, o seu espaço seguro, com Portugal sempre do outro lado da porta.Os trabalhos apresentados nesta exposição são a consequência dos anos nesse ateliê.
Laura Falé (LF): Dizes que o teu ateliê é a tua casa porque não há distinção entre o que fazes e a tua vida?

Pedro Almeida (PA): O meu ateliê é a minha casa porque às vezes passava a noite no espaço e cheguei a pensar que podia viver lá dentro. Como se eu, o meu espaço de trabalho e a minha casa não se distinguissem. Sempre que trabalhava estava a representar-­‐me e o ateliê era um espelho de mim: não há distinção entre onde vivo e o que faço. Os movimentos são os mesmos. No ateliê comecei a pensar sobre azulejos, sobre galos de Barcelos, sobre coisas em que nunca tinha pensado, sem me inibir. É nesse sentido de liberdade que é a minha casa.

LF: Começaste a pensar em símbolos tipicamente portugueses? Como se aquele espaço fosse uma espécie de Aldeia Gaulesa que sobrevive sempre às tentativas de invasão?

PA: Sim! Fui começando a perceber que estava a vir buscar a minha herança portuguesa ao mesmo tempo que não tinha que dar satisfações a ninguém. Era um atelier português.

LF: Como se pintasses em português, mas falasses em castelhano no teu dia a dia?

PA: Só quando vivemos fora é que temos a consciência da nossa cultura. O que eu não esperava era identificar-me com o Cristiano Ronaldo; até dava por mim a ver o Real Madrid e a torcer por ele. Jamais dei importância a símbolos que representam Portugal. Nunca lhes prestei atenção, mas ali estava eu numa cidade onde não me sentia integrado. Acabei por valorizar o foleiro, como dizem os espanhóis, hortera, vulgar, de mau gosto. Mas para mim já não era uma questão de gosto, era um símbolo que representava aquilo que eu era. Por isso sim, fora do ateliê penso em castelhano. Lá dentro, pinto em português porque pinto usando a minha identidade.

LF: Portanto tomaste consciência de que eras português porque de repente percebeste que estavas na posição de estrangeiro?

PA:Eu acho que, estando fora, tens a necessidade de te afirmar. E como me sentia diferente, o que era diferente em mim? Era vir de Lisboa. Vivendo em Madrid, entendo como é que surgem os guetos.  Às vezes perguntamo-nos porque é que os estrangeiros não se integram, mas eu percebi que quando és estrangeiro, não te sentes outro. Os outros é que são outro para ti. Tu és o mesmo e queres manter as tuas características. Queres que te aceitem, enquanto português, no seu país.

LF: Até os materiais que usas te remetem para cá?

PA:  Sim.  Mas essa questão não é de agora.  Intensificou-se quando fui para Madrid, mas quando estudava nas Belas Artes já usava, por exemplo, a cera das velas de Fátima.  E queimava-a, não  no  sentido  de  fazer  promessas  ou  de  orar  a  Nossa Senhora, mas de usar símbolos portugueses, se calhar até de forma inconsciente.

LF: Mas a cera de velas é associada a um movimento ritualístico, de cura.

PA: Quando eu fazia pinturas em cera, estava de certa forma a criar um super-herói. Sabes que todos os super-heróis têm sempre um poder especial, uns salvam o mundo, outros lançam fogo e são fortes. Então eu criei o meu próprio poder: era como um super-herói que usa a cera como meio para curar as pessoas (risos). Era como se as minhas pinturas pudessem curar. Nestas esculturas também uso cera de velas de Fátima. Está abençoada por Fátima, mas foi transformada por mim.

LF: E agora como é o teu ateliê?

PA: Agora estou num espaço de co-working a tentar perceber o que quero fazer. Vendi o ateliê onde fiz estas peças e estou em fase de mudança. Como todas as mudanças têm um compasso de espera fui partilhar espaço com outras pessoas até perceber para onde quero ir. Sei que ainda não quero voltar para Portugal. Prefiro a minha Aldeia Gaulesa: é mais livre e é feita à minha medida, esteja ela onde estiver.