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“Os públicos de Sintra são muito teatreiros”
Este mês falámos com Paulo Campos dos Reis, ator e encenador. Mestrando em Artes Performativas, Escritas de Cena, na Escola Superior de Teatro e Cinema, tem o curso de encenação de teatro musical, feito com Godfried Wagner.
Foi assistente de encenação de Carlos Avilez. Co-fundou o teatromosca, os Valdevinos Teatro de Marionetas, e a Éter-Produção Cultural. Trabalha, atualmente, nos coletivos Musgo, Alagamares e Éter.
O Paulo está há muitos anos ligado ao teatro que se faz em Sintra.
Como surgiu o gosto pelo teatro, e o que destaca desse percurso?
Não tenho “gosto” pelo teatro; neste momento não sou outra coisa senão um homem de quarenta e dois anos para o qual a vida, para o bem e para o mal, tem sido teatro. Contraí esse “bicho” como uma doença crónica. Destaco, sempre que fazem essa pergunta, o que estou fazendo: o caso, agora, é “Ofensiva Amada”, um ciclo de espetáculos transdisciplinares que estreia 21 de abril, no Olga Cadaval. Destaco, também, o quixotismo – na melhor aceção da palavra- que é fazer teatro neste País.
Como vê a relação do público com o teatro hoje e nomeadamente como vê a apetência do público local pelo fenómeno teatral?
Não existe um público. Nunca existiu. As pessoas são tão diversas quantas as propostas de teatro que a História tem feito florescer. Existem públicos. As pessoas gostam de teatro porque o teatro as constitui. O teatro é feito por pessoas para pessoas. E há sempre um teatro que acerta. Os públicos de Sintra são muito teatreiros. Éramos, há uns anos, o concelho do País com maior número de grupos de teatro. As pessoas que vêem são as pessoas que fazem: o carnaval saloio é isso. E é lindo.
O que está a fazer neste momento e quais são os projectos para o futuro próximo?
As associações às quais estou, digamos assim, estatutariamente ligado (a Musgo e a Alagamares) estão produzindo, neste momento, como disse, o espetáculo “Ofensiva Amada” que programará, mensalmente, no Olga Cadaval, um encontro de fazedores de cultura das mais diversas áreas (teatro, música, artes plásticas, literatura, etc) reunidos em torno de um tema, pessoa ou efeméride. Pretendemos juntar públicos de idades e gostos culturais diversos. Ampliar, no espaço público, a discussão política (não partidária), estética (eclética), insubordinada sempre. É uma ofensiva/squat sobre um centro cultural que, entendemos, merece uma identidade de programação mais definida.
A Musgo está co-produzindo, também, com a Associação Rugas, o ciclo de leituras encenadas “Voz Alta”, com textos dos programas curriculares, também no Olga Cadaval. Na Quinta da Regaleira, há um ano em cena, a Musgo produz “Os Lusíadas – Viagem Infinita”. Para o futuro próximo há um espetáculo de rua, que se quer “internacionalizável”, sobre Camões, um dos grandes viajantes portugueses.
Que peças mais gostou de encenar e quais as que ainda gostaria de levar à cena, como encenador e como ator?
Tenho um fraquinho pelo espectáculo “Ou Quixote”, partir da obra prima de Cervantes, que dirigi na Quinta da Regaleira. Fomos apresentá-lo a Palmela, ao espaço do teatro “O Bando” e a Cabo Verde, através do Instituto Camões - Centro Cultural Português do Mindelo. Uma co-produção muito feliz com um grupo irmão da Amora, o Animateatro. À cena, gostaria de levar toda a dramaturgia do extraordinário Jaime Rocha, um dos mais talentosos dramaturgos do País. É urgente dar-lhe mais palcos.
Como é o público enquanto propulsor de massa crítica? Acha que os espectadores são críticos e assertivos, ou são de certa forma passivos e anómicos?
Se me permite a metáfora botânica, os públicos são agentes de fotossíntese. Sem públicos, fenecemos. Se não temos as salas cheias (não temos), devemos perguntar-nos sobre o que não está a funcionar. Acusar os públicos de passividade ou anemia é simplesmente tonto. Mas também acredito em grandes minorias.
É sabido que também fez uma incursão pela escrita e pela rádio. Quer-nos falar dessas experiências?
A incursão na escrita tem um título, editado na, extinta, Quasi, “Autógrafo Seguido de Autocolantes”, um livro de poesia e short stories. Tem meia dúzia de peças de teatro não editadas, a última das quais “Macte Animo”, de parceria com João Cruz Alves, e que deu um espetáculo homónimo na Quinta da Regaleira. Estou, neste momento, trabalhando, numa peça de teatro sobre D. Sebastião.
A experiência radiofónica foi só no âmbito escolar. Estudei na, também, extinta Escola Superior de Jornalismo, do Porto. Foi bom e estruturante.
Que conselhos quer deixar a quem queira hoje enveredar por uma carreira no teatro?
Duas hipóteses: armar-se cavaleiro andante, tipo Quixote, ou, lamento, emigrar. “Carreira” é uma palavra horrível.
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