FUNDOS FORMAS
Luís Rocha
MU.SA – Sala Polivalente – piso 0 | 21 de abril a 28 de maio de 2023
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Há uma floresta azul neste lugar.

Dizem os olhos dos mais antigos, que nesta floresta é muito difícil ver. Nela, os troncos das árvores confundem-se com o céu, criando uma sombra enorme que confunde a visão. Neste lugar parece que é de noite, mas também que é de dia. Não sei dizer bem, ‘Será que isso é possível?’.

Pousada na paisagem, há uma barra cor de laranja. Acho que ela está a chamar a manhã, e assim, a densidade do azul assume um tom distinto. Parece que o laranja desperta o azul. Dizem que dessa maneira se torna mais fácil, nesta floresta, subir às árvores.

No fundo, ver melhor

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Ver fundo, ver bem

Fundo e forma são elementos antigos. Tão antigos quanto nós; nós e a história da visão, das ima- gens, da composição e da pintura. É com esta expressão que Luís Rocha nos convida a entrar em Fundos Formas, uma exposição que nos fala da nossa relação com a visão e do que pode implicar essa atitude - ver.

Encontramos em Fundos Formas um trabalho preciso, algo que qualifica a prática de Luís Rocha. Um trabalho em que a forma e a composição, a par da cor e da mancha, são manuseadas num regis-

to rigoroso e atento - aquele de quem sabe ver -, um ver em medidas em não deixam de fora o deleite da fiscalidade do corpo - o corpo daquele que pinta -, e que assim, faz da pintura um corpo para os sentidos daquele que olha.

Oscilando entre bidimensionalidade e tridimensionalidade, a planitude e o volume, todos os elmentos se envolvem num jogo de forças no qual a procura do lugar para cada um deles privilegia o entrosa- mento. É por vezes complexo discernir sobre a ordem de cada elemento, o seu lugar - é necessário um olhar próximo, no qual, justamente, a relação entre bidimensionalidade e tridimensionalidade exerce um papel relevante.

Tridimensionalidade / Bidimensionalidade

Pode-se dizer que a tridimensionalidade desempenha duas actividades no trabalho de Luís Rocha. Ela inscreve-se no interior e no exterior da pintura. No interior, ela é o corpo dos volumes que in- vadem o espaço de composição. As linhas que se atravessam, cruzam e trespassam umas às outras, e que em muitos momentos, parecem saltar para diante de nós e sair do papel.

Noutro espectro, a tridimensionalidade coloca estes trabalhos na esteira dos objectos, algo que ad- vém da afinidade entre o artista e o papel. Manuseando o papel, e atendendo à sua qualidade mais maleável, aquela que permite poder rasgar ou dobrar - porventura, com menos rigidez do que a tela

- , as folhas nas quais repousam as composições de Luís Rocha adquirem a qualidade de poderem ser vistas como qualquer coisa no espaço requisitando esse olhar objectual sobre elas. No entanto, é na parede, e na sua planura, que os trabalhos são apresentados. Ainda que contendo a dimensão

tridimensional, para a qual contribuem as formas e volumes no interior da pintura, é na parede que os trabalhos são mostrados, nesse fundo real e bidimensional, que contrasta com a dinâmica de volume em cada um dos trabalhos.

Tempo e repouso da pintura

Partilhando afinidades entre si - um fundo no qual podemos encontrar composições que ora se aprox- imam, ora se distanciam de nós -, existem certas nuances que diferenciam os trabalhos apresentados na exposição. Diria que nesse aspecto, a diferença reside no tempo de repouso de cada pintura.

No corpo de trabalho apresentado por Rocha, o tempo, aliado à percepção e à experiência, são produtores activos da pintura - é a decisão acerca de querer responder aos problemas colocados por cada pintura.

Existem trabalhos em que a carga de tinta torna o papel pesado. Um peso que também respeita ao tempo - à adição de camadas de tinta, mas também da memória do corpo. Por exemplo, na pintura de fundo azul, na qual se podem encontrar múltiplas ‘pinceladas’ vermelhas, estamos perante uma ilusão que resulta do jogo entre tempo e camadas.

Adicionando camadas de tinta para depois as subtrair, ilusoriamente, o azul que se parece com o pri- meiro fundo do papel, está, na realidade, sobreposto ao fundo vermelho que é raspado do fundo azul. Toda esta actividade respeita a gestos como adicionar, subtrair, retirar, acumular, e nestes movimen- tos, simultaneamente, compor. Tratam-se de composições fluídas que acompanham a vida e den-

si-dade das próprias matérias - a tinta e a mancha. A mancha que pode ser ampliada ou reduzida, como um organismo em respiração - assim como aquele que pinta, aquele que olha.

Fisicalidade / Intensidade

Os trabalhos de Luís Rocha convidam-nos à sua experiência e a uma noção de visão ampliada que se executa com o corpo inteiro. Isto deve-se à fisicalidade neles implicada. São pinturas que requisi- tam o nosso movimento diante de si - a experimentação de diferentes pontos de vista e ocupação de diversas coordenadas no espaço -, para que dessa forma, estejamos mais próximos dos gestos vivos de cada obra.

Trata-se não só de nos aproximarmos de cada trabalho, mas igualmente, de acedermos à experiência e processo do próprio artista e da memória física que deixa em cada um. Movimento e experiência, do lado do espectador, processo do lado do artista - noções que sublinham as forças que enraízam estes trabalhos, contribuindo para uma intensidade e dinamismo ancorados na experiência vivida do real.

 

Não esconder nada - ver tudo, ver bem Nestas pinturas, nada é escondido.

Cada gesto é dado a ver, pelo que a pintura significa isso mesmo: memória, corpo e um afecto ao pro- cesso, à actividade da própria pintura, carregada de intensidades, problemas e soluções ou charadas para os sentidos. Carregadas com a ideia de vivo, ou vivido, estas pinturas habitam connosco, ped- indo-nos que nos aproximemos ou distanciemos, e que de alguma maneira, a que nos for possível, testemunhemos o processo que lhes deu corpo, que lhes deu vida.
Rita Anuar, Abril 2023

Sobre o autor

n.1995
Matosinhos

FORMAÇÃO:
2013-2017 – Licenciatura de Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS
2022 -Rubato, Appleton Square, Lisboa

EXPOSIÇÕES COLETIVAS
2023 - Pintura sem Fim, Brotéria
- XVIII Prémio de Pintura e Escultura de Sintra D. Fernando II
2022 - XII Bienal Arte Jovem, Vila Verde
2021 - XVII Prémio de Pintura e Escultura de Sintra D. Fernando II
2019 - Central Ásia, Presença Brilhante, Lisboa
2018 - Locus19, Santos, Lisboa
- O Escritório, Conde Redondo, Lisboa
- XX Bienal Cerveira, Vila Nova de Cerveira
- XIV Prémio Pintura Escultura Sintra D. Fernando II, Sintra
- Verão Danado, Faro
2017 - I’ve had the time of my life, Muszi, Hungary
- A Dispensa, Pavilhão 31 Júlio de Matos, Lisboa
- Pequenos Formatos, Galeria Monumental, Lisboa
- Quarto, Casa da Dona Laura, Lisboa

RESIDÊNCIAS ARTÍSTICAS:
2018 - Residência Luzlinar Associação, Feital
- Residência Vila Nova da Barquinha