CONCEIÇÃO ABREU
Curadoria: João Silvério
21 de julho a 10 de setembro I MU.SA – Sala Polivalente – piso 0
terra, manto, borracha e, porque não, amoras silvestres...
O projecto expositivo de Conceição Abreu para o Museu de Artes de Sintra constitui-se como um momento de reflexão sobre duas modalidades de abordar a memória, e essencialmente sobre a experiência do lugar. A primeira, num âmbito autorreferencial, com as caminhadas, ou passeios, em Sintra e noutros lugares que, no trabalho da artista, se constituem como um índice remissivo de paisagens, lugares, imagens, caminhos e desenhos. A segunda, interroga-nos sobre a memória que o “manto” inscreve na nossa observação da paisagem, enquanto processo de transformação da natureza, e sobre a sua alienação que revela um procedimento descuidado, quando não mesmo violento, sobre a destruição do mundo natural. Sob este aspecto, a obra intitulada “Chão”, desenvolvida entre 2007 e 2023, é exemplar no trabalho da artista. Nesta obra, Conceição Abreu apresenta uma instalação que remete para essa ideia de plano térreo, como um manto estratificado por milhares de argolas entrelaçadas, ou melhor, entretecidas (como na sua prática têxtil), e que são na sua essência artificial reconhecidas como elásticos de borracha de uso corrente. Esta obra denota uma postura crítica, mas também poética, na esteira de artistas como por exemplo Dorothea Tanning ou Louise Bourgeois, que trabalham a escultura sob uma perspectiva mais experimental, estreitamente ligada a uma corporalidade nem sempre antrogénica, mas orgânica, utilizando materiais e formas que carregam um legado atribuído a diversas actividades humanas, por vezes apartadas de uma ideia de conservação, humanidade e, disciplina ecológica.
A artista tem vindo a desenvolver séries, e sequências de obras, que tem como base de trabalho o desenho, associado a uma investigação da imagem fotográfica numa estreita relação com o processo têxtil, do qual resultam texturas densas e esculturas tácteis que se transformam sob o nosso olhar no espaço da exposição. Os desenhos, na sua maioria, obedecem a uma orientação da mão que se assemelha ao movimento da escrita, sob uma compulsão que lhes atribui um ritmo e uma métrica que se aproxima da tecedura que algumas das suas esculturas revelam.
Contudo, os desenhos, quando organizados em módulos, com uma cuidada paleta cromática de matriz telúrica, ou vegetal, estabelecem correspondências visuais abrindo um campo de possibilidades interpretativas que estabelecem uma empatia visual com imagens fotográficas que, não servindo de modelo aos desenhos, conferem uma presença do instante da experiência do lugar. Esta relação dialógica entre as duas práticas, a fotografia e o desenho, propõem-se como duas possibilidades de encontro com uma provável memória do local, pois Sintra foi o lugar da sua infância, e a revisitação dessa memória, enquanto acto poético que se expande entre um desenho de assinável dimensão, intitulado BLOWING I e uma fotografia, intitulada ENTRETECIMENTOS.
O trabalho desenvolvido para esta exposição, no conjunto das obras selecionadas, pode entender-se como um ensaio sobre as condições de vida do ecossistema que é Sintra, como modelo crítico à transformação antropogénica, e a uma ideia de perda que se expande sob o esse manto vegetal, numa bordagem universal, que nesta exposição convoca uma teia abstracta, tecida e ligada por milhares de nós como um tecido artificial que vai obnubilando essa ideia de natureza ancestral que, ainda, resiste no nosso imaginário colectivo. Neste sentido, os seus trabalhos expressam uma preocupação política, metafísica, e assertiva sobre o modo como nos relacionamos com o mundo em sentido lato, e em sentido estrito com os seres vivos que são afectados pela acção humana.
João Silvério
Sobre a autora
Nasceu em Sintra, 1961.
Prémios 2016 | Melhor curta experimental …and around … and around … and around… cocriação com Carlos Coelho Costa. New Born Short Film Agency, 1st Edition, Berlin. Alemanha. 2008 | Prémio aquisição Fotografia. I Bienal Internacional do Montijo. Menção Honrosa Vídeo. I Bienal Internacional do Montijo. Coleções Banco Espírito Santo, Lisboa. Portugal Central Museum of Textiles, Lodz. Polónia. Bienal do Montijo, Montijo. Portugal. Universidade de Lisboa. Portugal.